As novelas refletem a sociedade e autores tentam levar à ficção casais gays e bissexuais, sexo casual etc.. Foto: Afonso Carlos/Carta Z Notícias/TV Press As novelas refletem a sociedade e autores tentam levar à ficção casais gays e bissexuais, sexo casual etc.
Foto: Afonso Carlos/Carta Z Notícias/TV Press

Márcio Maio
"As novelas refletem a sociedade", diz a maior parte dos autores. Mas transmitir na TV o que se vê nas ruas demanda acompanhar determinadas evoluções na maneira como as pessoas se relacionam. Principalmente na questão amorosa. E, se de um lado existe o interesse de quem escreve as histórias em ganhar liberdade para tratar determinados temas, as emissoras tendem a frear situações que possam ser consideradas "ousadas" na TV aberta.
Mesmo assim, relações cada vez mais comuns fora da ficção, como homossexuais e bissexuais, sexo casual e outras variações menos tradicionais, ganham espaço na teledramaturgia. Ainda que de forma mais contida. "Acompanhamos a evolução dos costumes. Não há mais espaço para mocinhas passivas e sonhadoras à espera de um príncipe encantado", atestou Ricardo Linhares, que divide com Gilberto Braga a autoria de Insensato Coração, na Globo.
Na novela das nove, o amor quase platônico da mocinha Marina (Paola Oliveira), por Pedro (Eriberto Leão), que marcou os primeiros meses da história, teve um bom contraste. A executiva Carol (Camila Pitanga) estava apaixonada por André (Lázaro Ramos). Se envolveu com o mulherengo, engravidou e partiu para uma produção independente, se acertando com ele em seguida nos assuntos relacionados ao filho que tiveram juntos. Mas sem qualquer compromisso amoroso. "Essa é uma história que não é tão incomum. A novela fala sobre relações familiares. Hoje, mais até do que os romances, as famílias seguem novos moldes", opinou Gilberto Braga.
Mas nem sempre é fácil abordar questões consideradas "moderninhas" em novelas. "Mudanças sempre geram reações positivas e negativas, de recusa", pondera Cristianne Fridman, responsável pelo texto de Vidas em Jogo, da Record. Na história, Divina, de Vanessa Gerbelli, trai descaradamente o marido Severino, de Paulo César Grande, chegando a dopá-lo para sair escondida.
Algo que já foi visto em Caminho das Índias, quando Norminha (Dira Paes) fazia o marido dormir para dar suas "escapadinhas" na vizinhança. Traições femininas, aliás, aparecem constantemente nas tramas de hoje. Mas isso não significa que as reações de público sejam favoráveis à abordagem. "Adultério pode até ser explorado em qualquer horário, se for punido depois", adverte Margareth Boury, que escreve o folhetim infantojuvenil Rebelde, exibido às 19 horas pela Record.
O amor entre pessoas do mesmo sexo também se destaca nas histórias. Mas Tiago Santiago ficou vários passos à frente dos colegas ao conseguir, no SBT, levar ao ar um beijo entre as personagens Marcela e Marina, de Luciana Vendramini e Gisele Tigre, em Amor e Revolução. "A maior dificuldade para o autor não é mostrar gays ou falar da vida deles. É exibir carinhos e beijos por medo da rejeição do público conservador", pontua o autor.
Em Insensato Coração, o primeiro casal homossexual está prestes a se formar. Eduardo (Rodrigo Andrade) em breve se declarará para o professor Hugo (Marcos Damigo). Mas sem qualquer promessa de beijo no ar. "O relacionamento será tratado com naturalidade e discutido abertamente entre os personagens", adiantou Ricardo Linhares.
Os autores garantem que não deixam de abordar os assuntos que têm vontade na hora de escrever em função das restrições, normalmente impostas pelas regras de classificação indicativa. Mas alguns confessam que não se interessam tanto por tramas amorosas. "Sou pouco romântico. Prefiro outras temáticas, como políticas e sociais", entregou Marcílio Moraes, que escreveu Sonho Meu, último folhetim da Globo a ultrapassar a média de 40 pontos na faixa das 18 horas, e obteve êxito na Record explorando o tráfico de drogas em Vidas Opostas e na série A Lei e o Crime. Cristianne Fridman engrossa o coro: "nas minhas novelas, histórias românticas não são o carro-chefe", afirmou.
Pensamento em casa
Para o elenco, tratar as inovações nas relações amorosas é uma tarefa mais fácil do que insistir nos moldes do passado. Principalmente pela quantidade de casos reais que, segundo os próprios atores, servem de exemplo para suas cenas. "Existem aos montes essas relações mal resolvidas, que a gente sabe que jamais dariam certo. No caso da Carol e do André, acho que a forma dos dois funcionarem pode ser essa mesmo, com um filho e cada um no seu canto", opinou Camila Pitanga.
Exibidos mais tarde e com uma liberdade maior para abordar questões morais, os seriados seguem a mesma linha que as novelas. Em Tapas & Beijos, Fátima (Fernanda Torres) e Suely (Andréa Beltrão) vivem às turras com seus respectivos amantes. A primeira, com Armane (Vladimir Brichta), que é casado com outra. Já a segunda, com o ex-marido Jurandir (Érico Brás).
"Acho que retratamos aquelas mulheres que já escolheram a profissão, optaram pela independência e, quando se deram conta, notaram que adiaram os sonhos de família. São daquelas que querem, sim, ganhar um assobio quando passam na frente de uma obra", entrega Fernanda Torres. Em A Mulher Invisível, o triângulo amoroso até existe. Mas a amante é imaginária. "A gente não assume a infidelidade. O público é a favor da esposa e a gente compra o barulho da mulher. Uma vez que a Amanda não é real, temos um álibi", valorizou Luana Piovani.

Instantâneas
# Namoros na porta de casa, atualmente, só são vistos em produções voltadas para o público adolescente. Como Malhação, na Globo, e Rebelde, na Record. E assim mesmo quando são usados.
# Em Morde & Assopra, Walcyr Carrasco explora o amor do jardineiro Leandro, vivido por Caio Blat, pela robô Naomi, interpretada por Flávia Alessandra.
# Em Rebelde, nenhum dos seis personagens principais, que compõem a banda que dá nome ao folhetim, são frutos de casamentos felizes e duradouros.
# Atualmente, o casal com maior aprovação do público no ar está em Cordel Encantado: os mocinhos Jesuíno (Cauã Reymond) e Açucena (Bianca Bin).
# Em A Próxima Vítima, em 1995, André Gonçalves chegou a ser ameaçado nas ruas por interpretar um homossexual.